Enquanto o “muído” nos grupos de jornalistas retratava a perda de alguns privilégios, o povo na Esplanada dos Ministérios confraternizava
Por Alfredo Bessow
Não há como negar: existe uma antipatia recíproca entre Bolsonaro e a imprensa e vice-versa. Agora, os dois terão que se tolerar mutuamente. Na verdade, a imprensa brasileira ainda não se deu conta de que muita coisa mudou durante 2018 na relação da imprensa do poder e dela, imprensa, com a sociedade. E vai continuar mudando e se os coleguinhas da imprensa não se atentarem, não vão apenas perder o bonde da história. Vão estar em um mato sem cachorro.
A imprensa – na verdade os donos dos meios de comunicação, ainda que alguns estejam presos por corrupção, desvio de verbas públicas e outras maravilhosas ações – se autoproclamou um poder acima do poder. Chutou o legado de Montesquieu e, a partir de 2003 com a ausência de uma oposição política, assumiu esse papel – pautando oposicionistas segundo suas conveniências.
É preciso deixar isso bem claro: não foram os partidos de oposição que fustigaram os governos petistas – de Lula até Temer. Era a mídia que determinava o prato do dia, enquanto que as lideranças mais expressivas dos partidos que deveriam ser oposicionistas, se refastelavam nas verbas públicas. Era a mídia que dizia qual o show do dia – ou como esquecer episódios antológicos, como quando o então senador Suplicy colocou uma cueca de um personagem de histórias em quadrinhos para agradar a produção de um programa de TV?
Em busca de espaço, deputados e senadores, ministros e mesmo presidentes se mostravam receptivos, coniventes e permissivos na relação com a mídia. Esse quadro mudou, porque a comunicação mudou – e pelo visto, só a imprensa ainda não viu, ainda não se deu conta.
Pensar que um presidente eleito e que sempre foi estereotipado pela mídia relevaria tudo isso é desconhecer que a natureza humana não segue e nem obedece um padrão conforme nós gostaríamos que fosse.
Bolsonaro aprendeu a conviver com o confronto com a mídia e são antológicas algumas de suas intervenções, inclusive com o filho de uma incensada comentarista global. Qualquer mãe guardaria até o fim dos dias o ódio por alguém que tivesse submetido seu filho ao constrangimento de desnudá-lo como um desinformado.
Misturar e confundir leis com regras é apenas mais uma das trapalhadas da mídia e repercutir que um “colega” chinês deixou o local indicado por não aceitar a restrição de “sua” liberdade é algo muito sem sentido – basta ver que no país dele, a lei sobre liberdade de imprensa é uma verdadeira maravilha.
Serão muitos e muitos meses de uma relação que certamente será turbulenta, porque a mídia não tem humildade de reconhecer que já não detém a primazia da informação. O que ainda a sustenta é muito mais o hábito do que a necessidade – o que, sejamos justos, é um risco para toda e qualquer sociedade.
Tenho lido algumas análises sobre os desafios da mídia no mundo contemporâneo e algumas tentativas de dissecar a realidade nacional. E fico estupefato ao ler que sempre são os mesmos a opinar, com seus ranços e seus preconceitos – deixando claro que continuam reféns de vínculos sentimentais, de formação e de afinidade conceitual, sem a coragem de reconhecer que hoje os jornalistas brasileiros podem saber muito de muitas coisas, mas não sabem lhufas sobre as aspirações, sobre as vontades e as ambições dos brasileiros.
E por que isso ocorre? Porque os jornalistas tratam o comportamento do brasileiro com preconceito. Querem que o brasileiro pense como eles. Querem que o brasileiro tenha a mesma postura permissiva com as drogas que os jornalistas têm – e sei do que falo, depois de militar durantes muitos e muitos anos em redações de jornais, rádios e tvs.
O descolamento dos jornalistas e da mídia do Brasil real se dá pelo desencanto dos primeiros ao perceberem, conforme sempre lembro na voz da Elis, “que apesar de termos feito tudo, tudo – tudo o que fizemos”, os brasileiros do Brasil real continuam os mesmos e vivendo “como os nossos pais”. Para desassossego dos jornalistas, os brasileiros são conservadores – e por não querer aceitar essa realidade, os jornalistas passaram a odiar e a desrespeitar o sentimento dos brasileiros.
Volto a dizer: ao não aceitar e não respeitar o modo de ser e de pensar dos brasileiros, a mídia perdeu a capacidade de interlocução – com o poder e com o povo.
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