Alfredo Bessow

Alfredo Bessow é um jornalista, radialista, influenciador e analista político brasileiro com mais de 40 anos de experiência.

EB: Apolítico e Apartidário! A história desmente

por | 03/03/2023 | 0 Comentários

O artigo em pauta procura, a luz de fatos e fontes primárias, desconstruir a narrativa de que o EB é apolítico e apartidário! No amago da Força a política sempre esteve presente, particularmente no Estamento dos generais. Demonstramos uma realidade, que desde a sua formação o EB, antes de ser o tal “Poder Moderador” , na nossa visão, outro discurso equivocado, tem sido através do tempo um desconhecido da população brasileira.

Por Eduardo Martins *

“Nada mais enganoso, e todos nós sabemos que o processo não é tão simples assim. Esta visão de monstro mau, que antes de mais nada é ingênua sobre o tema, abre uma questão: como seria possível o assalto, e mais ainda , a longa permanência no poder do estamento militar, sem nenhum apoio, sem um consentimento, mesmo que disfarçado, de parcela considerável da população? A História humana não registra nenhum caso de ocupação eterna do poder, pela força, que não implicasse em constantes rebeliões, imensos massacres”. (INSTITUIÇÃO MILITAR E ESTADO BRASILEIRO, Leonardo Trevisan)

Ao procurar na História, sempre na História, encontramos uma riqueza de informações, as quais retratam fatos passados, verdades permanentes, revelados por fontes primárias que perpetuam realidades passadas com reflexos para os nossos dias.

A narrativa descrita abaixo, retirada do livro: O EXÉRCITO NA POLÍTICA: Origens da Intervenção Militar (1850-1894), de John Schulz, edusp ; São Paulo ; 1994, expõe com muita clareza a situação do Exército Brasileiro nessa época passada. Antes, como agora, a carreira militar era e é feita de muito sacrifício, abnegação e comprometimento com a Nação que jurou proteger, inclusive com o “sacrifício da própria vida”(grifo nosso). Juramento que foi conspurcado por homens investidos de autoridade suficiente para decidir defender o povo brasileiro e que, por incúria, omissão e interesses pessoais, deixaram de fazê-lo, destruindo a credibilidade e a confiança que o Exército Brasileiro sempre desfrutou perante a sociedade brasileira, arrastando para o pântano da desonra e da humilhação oficiais e praças, sem que os mesmos tivessem quaisquer responsabilidades sobre o momento que hoje vive a Força Terrestre. Esconderam-se, esses homens, por trás do manto da Instituição, tentando, de forma leviana, atribuir à ela as decisões equivocadas que tomaram utilizando o artifício sofismado e falacioso do “Argumento da Autoridade”. Recuperar o respeito e o reconhecimento de todo o povo brasileiro levará décadas e custará muito caro aos profissionais das armas, homens e mulheres, que labutam diuturnamente por todo esse Brasil. Os achincalhes, os deboches, as injúrias e os impropérios a eles proferidos nas ruas, nos espaços públicos e, principalmente, nas redes sociais não cessam e tendem a se eternizar, marcando definitivamente a carreira militar como uma caricatura, como o exército de Brancaleone, infelizmente.

Passemos, então, a retratar os fatos históricos que demonstram que esse estigma não é atual, mas , se serve de alento, também evidencia que desde sua origem imperial militares tiveram participação política ativa e importante, na defesa de seus projetos e da população brasileira!

[…Esta negligência em relação às Forças Armadas contribuiu para o distanciamento dos jovens oficiais, muitos dos quais já estavam profundamente insatisfeitos com a elite imperial corrupta, atrasada e escravocrata.

Em 1854, o ressentimento militar veio à tona quando um deputado apresentou um projeto de lei que proibia jovens oficiais de se casarem sem o consentimento do Ministro da Guerra. Inflamados, os jovens oficiais e estudantes militares agitaram os seus sabres nas galerias do Congresso e começaram a publicar o jornal “O MILITAR” (junho de 1854 a julho de 1855). O Ministro da Guerra General Pedro Alcântara Belegarde, não só apoiou o projeto como declarou à Câmara dos Deputados (26 de agosto de 1854) que o Estado não tinha condições de continuar pagando metade de um salário às viúvas dos oficiais e que o governo deveria, portanto, verificar com que tipo de pessoa os oficiais desejavam se casar (grifo nosso).

O periódico “O MILITAR” lamentou que as viúvas e órfãos de oficiais não recebessem auxílio do governo. Em seguida, propunha aos advogados (legistas, legisladores) a incômoda pergunta: “ Os senhores aprovaram pensões para as esposas dos magistrados; porque têm tanto medo que possamos deixar viúvas?” A LEI NÃO FOI APROVADA.]

[…Encorajado pela vitória, “O MILITAR” prosseguiu suas denúncias do sistema político imperial]

[…Em um sentido mais amplo, a partir de meados do século XIX, os estudantes militares participaram ativamente da política; e, como três quartos dos primeiros generais da República passaram pela Praia Vermelha ou por Porto Alegre, esta agitação deve ter causado uma forte impressão em toda a sua geração]

[…”O MILITAR” fazia uma comparação cinicamente irônica, e de certa forma exagerada, entre as duas carreiras, a dos graduados da faculdade de direito e a dos formados pela Academia Militar (15 de abril de 1855):

[…] o legista rico, e dispondo da influência da família e da que lhe dá o emprego de juiz municipal, entra pelo voto da Província para a Assembleia Provincial; aí pronuncia o seu primeiro discurso decorado e composto de pedaços deste e daquele, tirados de jornais velhos de outras Províncias, e até estrangeiros, o que justifica essas proposições absurdas, reformas ridículas e ideias extravagantes, porque não são adaptadas às circunstâncias da Província, estas muito diferentes das do lugar onde se publicava o jornal, e que são recebidas pelos homens sensatos com o riso de escárnio, que não se atrevem a manifestar porque o Deputado é filho do Dr. F., ou genro do Sr. B…

Feito o “début”… procura uma vítima qualquer para contra ela desenvolver o rico almanaque de impropérios e apodos que aprendeu na sociedade dos colegas, encontra-a, ataca-a, e quer inculcar-se por este meio com um caráter independente, um regenerador dos costumes, para facilitar-lhe a candidatura à Assembleia Geral.

Chegam as eleições, e aí vereis o erudito Doutor, acompanhado por capangas armados e prontos a obedecer-lhe ao primeiro aceno, entrar na igreja, pedir a palavra e fazer um discurso de arromba, em que emprega a cada passo as palavras liberdade, direito político e direito público; findo o aranzel, no qual tem insultado o bom senso, plagiado e assassinado mil autores, volta-se aos capangas, de um sinal, e estes gritam – apoiado, apoiado, viva o Sr. Dr. F – e logo espalham-se, trocam listas à força, compram-nas a dinheiro etc. etc., e se é preciso cometer um assassinato, não trepida, fere e vai por diante até alcançar a votação, que é cópia fiel do que se passa nos outros colégios de Províncias, onde pontificam os colegas ou os parentes.

Assim fazem-se as eleições; o Doutor sai deputado e vem para a Câmara, onde não vota contra o governo, porque não se opôs a sua candidatura, e ele pretende uma presidência, um bom lugar no Tesouro, a Inspetoria da Alfândega ou da Tesouraria, A Diretoria do Correio…um título para o pai, comendas e hábitos para os parentes e amigos etc. O governo maneja um pouco com ele: os amigos da Província instam pelas suas pretensões, e ele escreve dizendo que se ainda não faz oposição é porque tem promessa para o dia tal, e que se nesse dia não for satisfeito, atira com o ministério em terra: passasse o tempo, do dia 14 é adiado para o dia 25, depois para o dia 2, até que afinal pesca o que pretende, e o homem volta para a Província com dobrada importância.

Durante a sessão, ele guarda um silêncio prudente, e só vota depois que o ministro que se acha presente diga de que maneira o deve fazer!, e berrando hoje contra a oposição, à qual ele dará o voto amanhã, se ela subir para o poder, vai completando os quarenta anos para ter direito a uma cadeira no Senado, onde entra por ser considerado pelo governo como voto seguro.

Nesse intervalo de tempo, tem administrado doze Províncias, das quais conhece todas as necessidades, e as menores circunstâncias, pelo que tem pedido…alguns homens do sul para cruzar a raça com os do norte, a construção de um açude de cem léguas de extensão para neutralizar os efeitos da seca etc., tem ido quatro vezes à Europa com ordenados de 20 a 30 contos, encarregado de importantíssimas missões, segundo afirmam todas as folhas publicadas por colegas, ou debaixo da influência do governo, mas o País ignora completamente os motivos e resultados, e desempenhado mil outras comissões importantes de imediata e grande vantagem para o País.

Depois de entrar para o Senado, declara-se cansado de servir, e desabusado da política, que no Brasil não oferece vantagem, lança-se em especulações de estradas de ferro, mineração de ouro, açougues etc., nesse tempo já é ele desembargador aposentado em remuneração a seus longos anos de serviço, e morre deixando uma fortuna de 400 a 1000 contos e dois ou três filhos já juízes de direito e deputados, que por patriotismo e desinteresse agenciam uma pensão para a viúva de dois contos, 400 mil réis por ano.

Segue agora o moço que sai da Escola Militar. Muito feliz é ele se consegue obter aí a patente de tenente, o que dá o soldo de 42 mil réis; nessa posição, vai ele servir em um corpo; se este acha-se no sul, lá tem de ir o pobre oficial do Rio a Porto Alegre, a sua custa já se sabe, e daí para a campanha, da mesma maneira, e estacionar na margem de um arroio sob barracas de pano ou de palha, de onde só sai para mudar de acampamento, até que um movimento dos nossos vizinhos faça-o dar um passeio a Montevidéu ou à fronteira, deixando sua família muitas vezes sem o necessário para subsistir…

Se para o norte, vê-lo-eis batendo matas e mudando todos dias de destacamento ao capricho do presidente, do chefe da polícia, do delegado, do juiz de direito, e até do municipal e do inspetor do quarteirão! Faz todo o serviço privativo da polícia, e quase sempre sofre alguma perseguição por não ter querido dar escapula a algum grande criminoso que conseguiu capturar…; é preso quando não deixa passar os contrabandos de africanos em que o Exm. Presidente é conivente, ou quando não se presta a secundar um legista desenfreado em suas vinganças locais.

Nestas suaves ocupações, passa seis anos para poder chegar a capitão e ter a súbita quantia de 60 mil réis mensais; este posto é o senado do militar; uma vez capitão, ou reforma-se, que é o melhor, ou tem de esperar quinze anos pelo posto de major, sendo que muitas vezes não alcança em consequência das informações do presidente, etc.

Até chegar a capitão tem ele completado 25 anos de serviço, o que lhe dá direito à reforma com 50 mil réis; […] tem entrado em seis, oito ou mais combates, e neles recebido duas balas ou uma cutilada, de que é remunerado com o hábito da Rosa ou de Cristo, que se compra por 200 mil réis dados pelo Hospício de Pedro II, ou para a algibeira de algum compadre de ministro…

Se é do Estado Maior, vai ser Ajudante de Ordem de presidentes legistas, grosseiros e sem educação, que o empregam em receber o nome das pessoas que procuram S. Ex., em introduzi-las, despedi-las, acompanhar sempre uniformizado o Excelentíssimo em suas visitas particulares, fazer-lhes compras…; alguns sujeitam-se porque nem todos têm a resignação de fazer uma viagem a Mato Grosso ou ao Amazonas, com as competentes e lisonjeiras recomendações.

Esta é a honrosa profissão do militar entre nós…(grifo nosso)

Para finalizar…[Embora os oficiais talvez concordassem com a importância da glória, eles acreditavam que certas recompensas e confortos materiais também lhes eram devidos].

Hoje, como ontem, os militares, do posto de coronel à graduação de soldado, foram relegados ao esquecimento e à injustiça pelos governos, pelos políticos, e pela própria sociedade que nunca se interessou em conhecer, reconhecer e respeitar sua profissão, e lhes dar tratamento digno e justo. O Exército Brasileiro não foi e nunca será apolítico nem apartidário.

É um Exército cidadão e como tal se comporta, veio do povo, é povo e se comporta como povo, por mais que queiram afastá-lo do povo.

* Eduardo Martins é Bacharel Licenciado em História pela UFF, Especialista em História Militar pela UNIRIO, Bacharel, Mestre e Doutor em Ciências Militares. É também Cel R1 QEMA INF TU 1976. Colaborador do Primeiro Livro Branco de Defesa.

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *