Muito se fala em “desaparelhar” a máquina pública – quando o grande desafio é terminar com a apropriação do Estado pelas corporações
O advento do PT ao poder em 2002 foi o ponto culminante de
uma construção que foi consumindo e conquistando mentes ao longo de muitas
décadas – que começa lá pelos anos 20, do século passado, perpassa guerras,
constituintes, e regimes com nomes e visões distintas. Passaram incólumes,
garantidos pelos salários de servidores públicos em universidades, em empresas
públicas e nos demais segmentos dos “funcionários”. Em determinado momento, já
tinham se apropriado da máquina estatal – e a apropriação antecede ao
aparelhamento, esse sim tem impulso com o advento da cleptocracia ao poder.
Ao contrário do que muitos podem pensar – apropriar-se é bem
mais romântico do que aparelhar uma estrutura. O primeiro advém do movimento
natural da luta pela conquista de direitos e depois transformá-los em
privilégios, em detrimento dos demais segmentos da sociedade e fazendo com que
a máquina pública passe a consumir uma fatia cada vez maior do dinheiro de impostos,
encargos e tributos. Não por acaso o PT foi contra a LRF- lei de Responsabilidade
Fiscal que tentou funcionar como freio do avanço das corporações sobre
estruturas públicas que deveriam servir à sociedade e que apenas existiam para
saciar a fome cada vez maior por benefícios.
A apropriação da máquina e a conquista da lealdade dos servidores
sempre foi marcada pela defesa e aprofundamento de privilégios, algo que fortaleceu
os sindicatos dos servidores – hoje a caminho da inanição, por falta de
dinheiro. Durante muitos anos, manter-se dirigente sindical era certeza de
muitos benefícios e privilégios, tanto assim que não são raros os casos de
dirigentes que estão em “aparelhos” da estrutura sindical há 10 anos, 20 anos,
30 anos ou muito mais.
Basta observar que em nenhum momento as entidades representativas (sindicatos) lutaram pela melhoria efetiva do atendimento do cidadão, da sociedade. E quando usam isso é apenas como eufemismo para buscar mais privilégios. Um cidadão pode ser preso se desrespeitar um servidor público, mas ele, servidor, pode desrespeitar o cidadão e nada vai lhe ocorrer.
Imagina o caos que vira quando a apropriação abre caminho para o aparelhamento sem limites? Um exemplo prático e real é o que aconteceu na pra lá de centenária ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Lá, o corporativismo conquistou tal gama de privilégios que tornou a empresa deficitária e com a chegada da cleptocracia ao comando do Brasil, houve o aparelhamento de toda sua estrutura diretiva, quebrando a empresa e seu fundo de pensão.
O aparelhamento como política partidária e como prática
política – uma realidade que ainda empestilha o serviço público e que vai
demandar um longo e continuado processo de oxigenação das estruturas do poder
público – foi largamente utilizada pelos partidos que chegaram ao poder em
2002. Ironicamente, alguns nichos foram deixados para coronéis – dentro do
malfadado modelo do presidencialismo de cooptação que teve seu apogeu entre
2003 e 2018. Claro que houve estratégias de grupos que se esmeraram em ocupar,
por concursos, determinadas setores e empresas – primeiro passo para seu
aparelhamento ideológico posterior.
O setor elétrico/energético, por exemplo, continuou sendo
feudo do clã Sarney – com o naco de Furnas mantido com Aécio; as Comunicações
eram domínio de ACM, mas a morte do velho morubixaba ajudou e ali o PT se
encastelou. E assim foi indo – com o Porto de santos permanecendo como uma
pequena capitania hereditária gerida por Temer e seus ávidos operadores. Se
formos olhar com atenção, veremos que o PT foi aparelhando a estrutura e
promovendo “companheiros” para postos chaves por onde passava o dinheiro que
alimenta a pequena e cotidiana corrupção – mormente pela publicidade, onde os
supostos gestores, MUITOS DELES MANTIDOS NOS CARGOS OU PROMOVIDOS pela cegueira
política de muitos integrantes do atual governo, em lugar de “programar
publicidade”, vendiam inserções em veículos dispostos a pagar propina
travestida de BV, “morrendo” com percentuais na hora de receber o anúncio e
depois, na hora de receber o pagamento.
As duas grandes mazelas que corroem o serviço público – a apropriação
da estrutura e o aparelhamento da estrutura – demandam ações distintas sem eu
enfrentamento. O caminho para democratizar e melhorar o funcionamento passa, na
minha opinião, pelo fim do concurso público ou uma nova forma de estabilidade –
mas nada disso não terá valor se continuarmos com a imensa defasagem entre os
salários pagos pela iniciativa privada e pelo serviço público. Houve um tempo
no qual o emprego público era a última alternativa de trabalho e de ocupação para
as pessoas e nas últimas décadas acabou se transformando em primeira opção e em
sonho ou projeto de vida.
No caso do aparelhamento, há uma imensa rede de compadrio e
de troca de favores, uma espécie de máfia das indicações. Isso é facilmente
notado nos chamados responsáveis pelas verbas de publicidade nos ministérios e
empresas públicas. Quando ficam desgastados em um local, vão sendo realocados
em outros. Com a expertise de muitos anos, acabam se tornando próximos e hábeis
intermediadores na liberação de verbas e facilidades adicionais com as agências
de publicidade. Não raro participando como membros de comissões de licitações.
Trata-se de desafio para qualquer governo eleito com a
promessa de ruptura com esse modelo perverso enfrentar a teia macabra que foi
sendo urdida na transformação do estado em parte de um aparelho partidário,
inclusive com empresas especializadas em terceirização de mão de obra para
setores estratégicos, como a área de comunicação.
Visto de longe, parece ser algo simples de ser enfrentado.
Para quem conhece e sabe como se constrói o jogo do poder e as múltiplas inter
relações entre as pessoas e os interesses nem sempre claros, trata-se de um
vespeiro que muitos – inclusive pessoas no governo Bolsonaro – preferem deixar
de lado.
O que acaba sendo fatal…
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