Quando eu a conheci, tinha viva a lembrança das façanhas de Os três mosqueteiros, que eram quatro, e dos embates de Cyrano de Bergerac com a língua tão afiada quanto a ponta de sua espada. Foram seis ou sete aulas, lições que ainda hoje muito me ajudam
Qual o nível de informação que nós temos sobre coisas da nossa vida?
Se alguém disser que é de 100% estará certo em determinado sentido e totalmente errado do ponto de vista do todo. É estranho, mas nada sabemos de nossa condição interior, de como estamos em termos clínicos, por mais check-up que façamos. Nem mesmo podemos dizer que temos 100% de informação e controle sobre a nossa vida financeira ou emocional.
Eu, por exemplo, comecei março com os recursos garantidos para uma série de investimentos na consolidação dos meus projetos de comunicação, 90 dias depois da pandemia e com despesas extras, os valores já não são os mesmos e é bem provável que ao termos superado esta etapa do Vírus Chinês eu tenha que repactuar valores e formas de investimento. Ou seja: nem o que era real, hoje continua sendo verdadeiro.
Pensemos na vida, enquanto permanência terrena, e perceberemos que não sabemos, que não temos como dizer que estaremos por aqui mais um dia, mais 10 anos ou sabe-se até quando. Para ser bem sincero, nada sabemos de nós – tanto assim que costumo dizer que os meus vizinhos sabem mais de mim e da minha vida do que eu mesmo.
Imaginemos, pois, isto transposto para um universo dinâmico, como de um governo federal com seus antagonismos, com suas disputas, com seus grupos de interesse e de pressão. Eu observo fascinado como algumas pessoas costumam dizer que, estivessem elas na presidência, fariam isso, não permitiriam que se fizesse aquilo e assim por diante. Isso serve como bravata em discussões com adversários políticos ou entre amigos numa mesa de bar quando o álcool da cerveja barata começa a fazer seus efeitos de turvar a vista e aumentar a voz – jamais como ação política na vida prática que parte do princípio de que na arena política é preciso ter sempre em mente uma estratégia. Não apenas uma – sejamos claros. Ir para uma batalha sem um plano B ou mesmo C é acreditar que o espontaneísmo e a improvisação servem para vencer toda e qualquer adversidade. Tenho para mim que o messianismo é o caminho mais fácil para dar com os burros na água.
Trago como ensinamento das poucas lições de esgrima que tive no final dos anos 70 que é o de sempre reforçar todos os pontos de defesa, principalmente aqueles flancos em relação aos quais possa ter mais dificuldade de manusear o sabre no instinto de proteção ao corpo. Restou daquele período, interrompido pela crueza financeira de quem sempre estava cortado dos pilas, a consciência de que se temos muitos pontos vulneráveis e que merecem atenção, treino e aptidão para a defesa, devemos ao mesmo tempo focar e ter definido onde, como e de que forma e com qual intensidade iremos atacar e como poderemos rapidamente readequar nossa estratégia se uma ação nossa for bloqueada. O único exemplo efetivo de quem atua com uma só estratégia e com uma só tática é a dos camicases. E nem me refiro aos pilotos de aviões japoneses carregados de explosivos cuja missão era realizar ataques suicidas contra navios dos Aliados nos momentos finais da campanha do Pacífico na Segunda Guerra Mundial. Na verdade, uso aqui no sentido de ações ou práticas potencialmente suicidas, não apenas em sentido figurado.
Esse é o problema de toda ação camicase – quer na política, de modo caricato, na esgrima enquanto nobre arte que remete aos tempos dos romances de “capa-e-espada”, ou de modo real na vida: o máximo que o camicase conseguirá é realizar uma missão e morrer. Voltar vivo será sinônimo de fracasso.
Temo que, nos tempos atuais, pessoas estejam confundindo inteligência bruta com capacidade de leitura da realidade e estejam optando por reiteradas ações suicidas, sem perceber que ao retornar com vida – no caso, manter-se no poder – estão apenas construindo o caminho do fracasso. Ou, como acontecia nas rinhas de antigamente, por mais bravo que fosse, o galo em desvantagem podia até voltar cambaleante e com altivez para o centro do rinhadeiro – fingindo-se de vivo, ainda que as pessoas que acompanhavam o embate soubessem de antemão que seu destino já estava selado.
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