Na falta de norte ou rumo, boa parte da esquerda esquece antigos ódios e redescobre razões de amar sem olhar a quem
Por Alfredo Bessow
O movimento cíclico, que eu chamo de biruta de aeroporto, de boa parte da esquerda pode ser melhor compreendido se formos olhar os amores e os ódios do povo que vive no entorno desse pensamento, de esquerda, e dessa raiz hegemônica. Os golpistas de antes, agora podem virar amigos prediletos, diletos – e quem traiu, volta a merecer toda confiança. Os hipócritas de outrora, viraram paladinos de uma grei que se agarra ao vento (aquele que a Dilma queria ensacar) como quem busca uma boia ou um bote no PTitanic que naufragou.
Como estou em grupos de petistas e de gente das várias esquerdas que temos em nosso País, sei bem como é a mudança de humor desse povo. E não é de hoje! Na verdade, a esquerda brasileira, encastelada no serviço público em todos os níveis e dentro das universidades, vive e se alimenta do Estado. Migram atrás de um encosto, como agora migram para os estados onde o partido detém o poder. Quando a Dilma caiu, muitos conhecidos foram alocados em estruturas públicas em outros estados.
Essa estratégia de camaleão – que é reflexo da falta de uma diretriz política clara – já foi usada ao longo das décadas, muitas vezes. E ela revela a falta de compromisso desse pessoal com qualquer ideário, sendo que o oportunismo é a sua marca mais forte.
Alguns exemplos muito claros dessas revelações de adequar-se com facilidade às conveniências:
– Como esquecer a aliança com o Maluf – que de sinônimo de corrupção e fisiologismo, virou amigo dileto?
– Toninho Malvadeza que virou Toninho Ternura – alguém já esqueceu?
– O súbito amor por Sarney, símbolo maior do que há de mais podre e atrasado em nosso País?
– As alianças do PT com a família Sarney em detrimento do próprio PT e dos partidos de esquerda no Maranhão?
– A escrota, para ser educado, opção por Romero Jucá como líder dos governos petistas no Senado.
– O amor sem limites por Renan Calheiros.
E essas traições se transformaram em marca de um pragmatismo político onde o que contava era estar no poder e ter acesso a verbas, cargos e o direito de pedir um cafezinho. O que acontece com a esquerda quando chega ao poder é uma simbiose protocapitalista, com resquícios vagos de um ideário de ajuste social, jamais de mudança social.
E assim, hoje, o que era odiento e odiado, passou a ser louvado (no sentido pejorativo, não eucarístico), saudado e cantado em prosa e verso. Abandonaram Hegel porque estudá-lo é enfadonho, mas o processo dialético continua atual – mesmo que isso incomode. Com a soberba dos inebriados pela própria arrogância, negam-se ao mais elementar princípio do reconhecimento de suas culpas, de seus equívocos e de seus desvios. E a golpista Folha voltou a ser lida; a execrável Globo tem uma programação “progressista”, a Veja é um farol a guiar os incautos, Reinaldo Azevedo, exótico e estranho ser como suas indumentárias circenses, virou símbolo de coerência. E cheguei a escutar que até Josias, da Folha, não é “tão ruim quanto ele faz questão de ser – porque talvez ele seja um beócio por imposição da Folha e como forma de manter o salário”, conforme a verborragia de um amigo. Petista, claro.
Lembro que no começo dos anos 80, havia um mote dominante nas eleições sindicais e de entidades em geral: Fora pelegada! E o que temos hoje nas estruturas sindicais são práticas pelegas, de perpetuação no comando das entidades e com baixos índices de renovação – não apenas em termos de idade, mas também de práticas e de perspectivas para a classe trabalhadora de um modo geral e não apenas do serviço público.
Há um livro escrito por Rosa de Luxemburgo que é ignorado por uma esquerda que adotou o peleguismo como prática política – e prevaleceu a lógica oportunista de sacrificar princípios por ganhos “práticos” (e benesses pessoais, acesso aos círculos da burguesia e aos padrões de consumo das elites antes combatidas) de curto prazo e sua tendência ao compromisso com o status quo. Reforma ou Revolução, escrito ainda no Séc. XIX e publicado em 1900. Olhando por um prisma “nacional”, o que os governos petistas tentaram “provar” é que as contradições entre as classes estavam diminuindo, ao mesmo tempo em que os iluministas de plantão passaram a se locupletar com o dinheiro público e os bens privados que só o dinheiro possibilita acesso.
Ou seja: os governos com viés de esquerda no Brasil, que começam com FHC e acabam com Temer, não tiveram capacidade de fazer a revolução porque isso demanda organização das massas e nem ânimo para fazer a reforma, e, ao chegarem ao poder, preferiram ser cooptados. No afã de serem aceitos nos círculos frequentados por quem eles tinham como inimigos, apenas sucumbiram…
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