Alfredo Bessow

Alfredo Bessow é um jornalista, radialista, influenciador e analista político brasileiro com mais de 40 anos de experiência.

Os números como forma de reinventar a realidade e justificar o medo

por | 04/06/2020 | 0 Comentários

Em tempos de pandemia, a manutenção do clima de histeria é fundamental para os objetivos daqueles que precisam negar a realidade como princípio básico para a manutenção dos seus interesses

Eu nunca parei para pensar em quantos livros li ao longo da
minha vida. Pelos cálculos que me atrevo a fazer, sei que foram bem mais de mil
– sem contar gibis de Tex, Asterix, Tarzan e tantos outros. Muitos destes
livros marcaram ao ponto de recordar detalhes e pormenores. Há aqueles que
voltam à memória quando os encontro em livrarias e faço a reconexão mental a
partir de detalhes – como por exemplo eventuais ilustrações ou alguma tradução
mais especial.

Há, ainda, aqueles dos quais restam alguns ensinamentos,
frases que ficam, abordagens diferentes que de algum modo se incrustam em
nossos referencias ainda que depois não seja possível saber resgatar nada além
de fragmentos.

Em uma viagem de ônibus entre Florianópolis e São Paulo eu
encontrei um livro de capa verde na bolsa da poltrona. Conversei com o
motorista e ele apenas me disse que aquele livro deve ter passado despercebido
por quem fizera a limpeza do veículo na garagem. Voltei com o livro e me
atraquei a ler de tal modo que ao chegar em São Paulo tinha lido todo. Mesmo
com o prazer da sua leitura, acabei deixando o exemplar na esperança que outra
pessoa pudesse ter a mesma oportunidade que eu. Hoje, me arrependo, porque não
lembrar ao certo o título e nem o autor.

E neste livro está uma das frases que considero muito atual
– claro que não literal, mas dentro daquilo que ainda me lembro. Discorria o
autor sobre a manipulação do povo pela desinformação e dedicou um capítulo
sobre o uso dos números. Sentenciava ele: para impactar, os números devem ser
sempre superlativos, porque ninguém está interessado de onde e como os números
foram formados. O povo, dizia ele, não é capaz nem de somar percentuais
eleitorais, o que pensar então em uma sequência de dados estatísticos.

E observo que esta estratégia vem sendo aplicada no caso da
soma dos mortos por coronavírus em nível nacional. Via de regra temos dois ou
três dias com números mais baixos e depois, números estonteantes e que chocam –
porque não é enfatizada a informação de que tais números não se referem àquele
dia, mas uma atualização dos dados repassados pelas secretarias estaduais de
saúde.

É simples a estratégia: a eventualidade de termos digamos
dois dias com 500 mortos perde relevância dentro do jornalismo hoje praticado –
ainda mais se no terceiro dia tivermos como forjar 1.400 mortos – por exemplo.
Assim, manipula-se a informação como forma de chocar e constranger, de assustar
e manter o clima de histeria que torna o cidadão refém de estratégias de
enclausuramento que já se mostraram inadequadas.

Posso estar vendo fantasmas, mas o ciclo se repete ao longo
dos dias. Basta observar os dados e acompanhar as manchetes…

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